terça-feira, 20 de março de 2012

Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

                          Alberto Caeiro 

Começou hoje a Primavera, e para ela as flores mais risonhas que em tempos encontrei nalgum blogue. São lindas e muito saborosas, uma homenagem à criança que há em todos nós.
Feliz Primavera 2012. 

225 gr. de manteiga amolecida
100 gr. de açúcar
1 ovo grande
1/2 colher de chã de canela
310 gr. de farinha de trigo

Bate-se a manteiga, até ficar em creme. Aos poucos, adiciona-se o açucar e bate-se até formar um creme liso e areado. Mistura-se o ovo e a canela. Pouco a pouco acrescenta-se a farinha e mistura-se bem a massa com as mãos até fazer uma bola. Cobre-se a massa com película aderente e deixa-se no frigorífico durante uma hora.
Entretanto, pré-aquecer o forno a 180 Cº.
Numa superfície enfarinhada, com o rolo, estende-se a massa com uma espessura de 3 mm. Corta-se a massa com cortadores enfarinhados em formato de flores. Espeta-se os paus (usei pauzinhos para espetadas cortados um pouco ao comprimento).
Coloca-se os biscoitos num tabuleiro que não necessita de estar untado nem enfarinhado. Coze-se no forno pré-aquecido de 8 a 12 minutos, até dourarem.
Depois de arrefecerem, decora-se com glacé.
Para o glacé: Mistura-se 250 gr. de açúcar em pó com 2 claras batidas em castelo, a que se junta os corantes alimentares desejados.
Depois de decoradas com o glacé, deixa-se secar de um dia para o outro e guardam-se em latas ou embulham-se em sacos de celofane com fitas para oferecer :)

terça-feira, 13 de março de 2012


Distância e longa ausência prejudicam qualquer amizade, por mais desgostoso que seja admiti-lo. As pessoas que não vemos, mesmo os amigos mais queridos, aos poucos se evaporam no decurso do tempo até ao estado de noções abstractas, e o nosso interesse por elas torna-se cada vez mais racional, de tradição. Por outro lado, conservamos interesse vivo e profundo por aqueles que temos diante dos olhos, nem que sejam apenas os animais de estimação. Tão presa aos sentidos é a natureza humana. Por isso, aqui também são sábias as palavras de Goethe: O tempo presente é um deus poderoso.
Os amigos da casa são chamados assim com justeza, pois são amigos mais da casa do que do dono, portanto, assemelham-se antes aos gatos do que aos cães.
                                                                     Schopenhauer, in "Aforismos para a Sabedoria de Vida"
Regressamos a casa agora que o P. já fez todos os exames médicos de que precisava, e com os quais não estavamos a contar. Não chegou para o susto, mas pronto, adiante que atrás vem gente.
Merecia um mimo, o rapaz, e como temos o frigorífico cheio de ovos caseiros da mãe e da vizinha e há poucos dias o P. me perguntava como se fazia a mousse de chocolate caseira, saíu a mousse com pó de ló das freiras de Fátima.
É bom que se farta, irresistível e péssimo para quem está de dieta :(
Mas estes dias passados na magnífica cidade Invicta, e em casa da mãe, com as melhores comidas do mundo, já tinham arrasado com as prescrições da dietista. No congelador esperavam-nos as tripas à moda do Porto do domingo gordo e o cozido do Carnaval a que não comparecemos este ano, graças às opções políticas que neste espaço me abstenho de comentar.
Ai, nem os repastos do Eça, se aproximam das delícias fumegantes que desfilam na mesa da casa da minha mãe. 
Voltando à mousse das freiras - Em Fátima ainda existe uma casa de freiras com restaurante aberto ao público, onde a ementa consiste numa sopa, um prato de carne ou peixe à escolha e fruta ou doce - comida económica e frugal. Porém há muitos e muitos anos quando eu era pequenina serviram à mesa, uma terrine de porcelana que continha deliciosas fatias de pão de ló mergulhadas numa mousse de chocolate irrepreensível. Tentei recriar a referida obra de arte e não me arrependi. Para a mousse uma receita dos caderninhos da minha irmã F.:

Mousse de chocolate
150 gr. de açúcar
150 gr. de chocolate Bellville (é chocolate de culinária, usei Nestlé)
100 gr. de manteiga
6 ovos
algumas nozes
Derrete-se a manteiga em banho maria, a que se junta o chocolate em raspa, batendo até ficar desfeito. Retira-se do lume juntando o açúcar e continuando sempre a bater; em seguida juntam-se as gemas uma a uma batendo sempre. Por fim junta-se as claras batidas em castelo firme, misturando-se sem bater. Verte-se numa taça e enfeita-se com nozes.
Nota: Esta versão de mousse pode servir-se de imediato sem ir ao frigorífico. No entanto eu levei ao frigorífico pois gosto da mousse fresca.
Para o pão de ló a receita de uma velha amiga, a L. - uma amizade que se desvaneceu pela distância ... A L. adorava fazer sobremesas, quando descobriu esta receita nunca mais comprou um pão de ló de pastelaria pela Páscoa ou pelo Natal - eis uma boa ideia para a crise e para a saúde também.
Eramos muito amigas, recordo com saudades aqueles anos, mas Schopenhauer tem razão...

Pão de ló da L.



7 ovos
14 colheres de sopa de açúcar
7 colheres de sopa de farinha com fermento (usei Nacional para bolos)
Batem-se durante 15 minutos as gemas com o açúcar. Acrescenta-se a farinha colher a colher, continuando a bater. Bate-se as claras em castelo firme com uma pitada de sal e envolvem-se na massa do bolo sem bater. Vai ao forno pré-aquecido a 200 Cº, em forma de buraco untada e polvilhada com farinha. Coze cerca de 15 minutos e está pronto.



Bom apetite.
Nota: As fotografias não fizeram jus às maravilhas culinárias e não tenho uma terrine de porcelana, mas logo que encontre uma que me agrade, vou proceder à sua aquisição. Isso e uma fruteira que é coisa que também não existe nesta casa, e só me dei conta agora que tinha uma grande reserva de maçãs e não havia onde guardar! Já tive várias fruteiras, foram-se partindo, e ultimamente a fruta anda em taças de barro, nem me dei conta...