quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


"A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar às portas e por outro a descobrir a América; - mas estes dois impulsos, tão diferentes em dignidade e resultados, brotam ambos de um fundo intrinsecamente precioso, a actividade do espírito." Eça de Queiroz in “Notas Contemporâneas

A minha avó L.
Lembro-me sempre dela, no corredor, escondida, a escutar as minhas conversas de adolescente ao telefone.
Tinha o marido no Brasil, quando emigrou para a Venezuela com o filho mais velho, o meu Tio A.
Era a  L., a minha avó materna. Morreu há alguns anos, mas lembro-me dela todos os dias.
Era a matriarca lá de casa. Rija, mazinha, mas gostava de mim à sua maneira, e eu gostava dela à minha maneira.
Adorava o quintal, a horta, a vinha, os coelhos e as galinhas, mas da casa não queria saber, dessa era a minha mãe que cuidava.
Quando eu era criança, havia muita gente lá por casa, de quem falaremos por cá qualquer dia, mas hoje é o dia da minha avó L.
Às vezes, aos Domingos, a avó gostava de ir almoçar fora. Nessas ocasiões vestia um vestido com discreto decote e punha a gargantilha que me coube por herança.
No dia que acabei o curso, telefonei para casa a dar a feliz notícia. Quando cheguei mais tarde, a avó estava à minha espera ao portão, quis ser a primeira a dar-me os parabéns e um rolinho de notas que escondia debaixo do braço. Por estas e por outras parecidas eu sei que gostava de mim, a minha avó L., que era pouco dada a sentimentalismos…
Era um bom garfo e adorava um cálice de vinho do porto, foi este o seu último desejo.
Nasceu no dia de São Martinho e morreu nas vésperas de um 25 de Abril. 
Também era uma excelente cozinheira bem como o Tio A.
Da Venezuela entre outras coisas trouxeram excelentes receitas que hoje em dia continuamos a cozinhar com frequência na família.
No Domingo passado, foi Domingo Gordo, mas como este ano já não houve Carnaval, eu e o P. já não fomos aos cozidos de carne “a val” das nossas mães que estão no Norte.
Então só por despeito o almoço de Domingo foi de carnes magras.

Coelho Assado com Farofa.
Esta receita de farofa foi das que vieram da Venezuela. Quando se criavam coelhos caseiros na casa materna, bem grandes e gordos, recheava-se a barriga com esta farofa e cozia-se com um fio. Com os coelhitos de aviário que são mais pequenitos, a farofa é servida à parte sendo essa a única diferença. Aqui vão as receitas que podem copiar e se tiverem coelhos caseiros toca a rechear.
O coelho, limpo e inteiro, coloca-se na noite da véspera a marinar num alguidar com vinho tinto, sal, pimenta branca, 3 folhas de louro e 3 dentes de alho esmagados.
No dia seguinte, no fundo de uma assadeira de barro ou pirex, coloca-se uma cebola às rodelas e um ramo de salsa, colocando-se por cima o coelho escorrido da marinada rodeado de batatinhas, regando com um molho que faço do seguinte modo:
Numa tigela, junto metade de azeite e metade de água, temperada com 1 colher de sobremesa de sal, 1 colher de chá de pimentão doce e uma colher de café de pimenta branca, mexo tudo muito bem e é só regar.
Vai ao forno a 220 Cº, e quando o coelho está tostadinho, vira-se e assa do outro lado até estar tostadinho também.

Depois é só fazer a
 Farofa
Numa frigideira, coloca-se 1 cebola pequenina picada, 1 dente de alho picado e 1 pouco de salsa picada, algumas rodelas fininhas de chouriço a gosto, alguns quadradinhos de bacon e azeitonas pretas ou brancas, cobre-se o fundo da frigideira com azeite e vai ao lume a refogar.
Quanda a cebola estiver douradinha, vai-se acrescentando com as mãos farinha de pau (farinha de mandioca) e mexendo rapidamente com um garfo para não criar grumos. Rega-se com um pouquinho de água, tempera-se com uma pitada de sal e pimenta e mexe-se sempre em lume brando, durante 5 a 10 minutos até cozer.
Agora, é só servir acompanhando com arroz seco e salada.
Bom apetite.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

..."Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidas. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas."

Agustina Bessa-Luís, in 'Antes do Degelo'



Antes de mais nada, tenho que corrigir, no fim de semana fomos ver "A invenção de Hugo" de Martin Scorcese. O lapso foi inconsciente e presumo que veio de "O estranho mundo de Jack" de Tim Burton.
A invenção de Hugo conta a história de um menino que vive num mundo muito especial e recupera um velho autómato e com isso o passado feliz de outrém...
Emendado o erro, quero agradecer muito ao leitor anónimo que descobriu a autora da "Delícia de Laranja", uma receita de 1959. A minha irmã do meio, a F. nasceu em 1960, é mais nova um ano e a minha irmã mais velha, a T., nasceu em 1958, é mais velha 1 ano. Eu já vim em 66, portanto já não tive aulas de culinária.
Porque a autora dos "Cinco quartos de laranja" gosta tanto de bolos de laranja, dedico-lhe mais uma receita do caderninho, que fiz no Domingo passado e que o P. teve que comer sozinho por causa da minha dieta.

Este bolo também é muito bom, apesar disso gosto mais da "Delícia de laranja". Este é um bolo seco e fofo que com a calda se parece com um bolo-pudim. A calda na receita original leva licor de laranja ou triple seco, no entanto eu faço com rum ou conhaque pois acho mais saboroso, uma vez que a calda já por si é muito doce.
Bolo de laranja
Sumo de 2 laranjas
Raspa de 1 laranja
300 gr. de açucar
180 gr. de farinha (uso Nacional para bolos)
4 ovos
1/2 decilitro de leite
Batem-se as gemas com o açúcar e o leite. Junta-se a farinha, o sumo e a raspa e bate-se. Acrescenta-se as claras em castelo. Depois de cozido e ainda na forma, pica-se com um palito e rega-se com o molho. Desenforma-se. (Nunca faço assim, primeiro, desenformo e ainda quente pico com um garfo e brego com a calda, pois senão desfaz um pouco ao desenformar).
Molho
2,5 decilitros de água
sumo de 2 laranjas
150 gr. de açúcar
1 cálice de triple seco ou licor de laranja.
Leva-se a ferver 5 minutos o açucar com a água e o sumo. Retira-se do lume e junta-se o licor. Desta vez juntei rum e ficou assim
Bom apetite!

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Sábado, o melhor dia da semana, e para o almoço tivemos um prato que já me deu muitas alegrias:

Lulas à Bordalesa

É uma receita que faço há muitos anos, inspirei-me num pratinho económico que comi um dia num cafezinho do Porto, na Rua Sá da Bandeira.
Ainda existe, mas com a crise a qualidade já não é a mesma, no entanto durante muitos anos almoçava-se ali a um preço muito económico uma comidinha muito boa.
Um dia serviram-me umas lulas que achei muito saborosas e por instinto ensaiei na cozinha até conseguir o mesmo resultado, desde esse momento, lulas em minha casa são à Bordalesa.
Antes, estufava as lulas com pimentos e picante e servi-as com batatas cozidas, à moda da Dona T., minha mãe ( um dia farei e deixarei aqui a receita).
Quase tudo o que sei de cozinha aprendi com a minha mãe, que é uma cozinheira de mão cheia, inigualável!
No entanto, pelas lulas à Bordalesa, faziam fila os amigos e colegas com que estudei na cidade de Coimbra -o C., a Z., a R., todos me perguntavam frequentemente quando os convidaria para comer lulas...
Mas adoração pelas minhas lulas tinha a minha querida amiga S. que regressou a Moçambique, a sua terra natal, e que já não vejo há anos.... "Rosinha, como consegue cozinhar lulas tão tenras que fazem lembrar leite..."!
Ah! minha amiga S..., quem me dera que estivesses perto para vir comer estas lulinhas, que sempre que cozinho me deixam cheia de saudades tuas...



Receita para duas pessoas:
1 Kg de lulas das pequeninas (uso quase sempre congeladas, limpas ou por limpar que gosto mais pois são mais vermelhinhas),
1 cebola, 2 dentes de alho, salsa, louro, 1 malagueta (quem gostar de picante), azeite, vinho branco e sal q.b.
Num tacho refoga-se a cebola e o dente de alho picados em azeite. Quando a cebola começa a ficar translúcida, juntam-se as lulas, lavadas e cortadas às rodelas, a salsa picada, o louro e a malagueta.
Assim que levantar fervura, acrescenta-se meia chávena de vinho branco, mexe-se e tapa-se bem o tacho. Fica a cozinhar em lume mínimo durante cerca de 50 minutos.
Entretanto, torram-se quadrados de pão que se colocam numa taça, vertem-se por cima as lulas com o respectivo molho. Serve-se acompanhado de salada e
Arroz de alho
Num tacho leva-se ao lume um fundo de azeite com 4 cabeças de alho picadas. Assim que estalarem os alhos, acrescenta-se uma chávena de arroz agulha, mexendo bem.
Junta-se duas medidas de arros de água a ferver, aos poucos e mexendo bem, tempera-se de sal, coloca-se em lume mínimo e deixa-se cozer cerca de 10 minutos.
Bom apetite.

Foi também dia de cinema, desta vez o P. e eu fomos conhecer o mundo do 3D, com a Invenção de Jack.
Do 3D não ficamos grandes fãs, mas o filme é realmente muito bonito - uma criança lindíssima em cenários fantásticos.

Uma vez que não estou por perto e por isso não vos posso convidar para almoçar, partilho as receitas das comidinhas deste fim de semana.

Quinta-feira consultei a dietista da farmácia na esperança de perder os 8 Kg que ganhei nos últimos 8,5 meses.
Deixei de fumar no dia 8 de Junho de 2011!
A 1.ª regra: Começar o almoço e o jantar com um prato de sopa, sem feijão, massa ou arroz e apenas com duas batatas por panela.
Na sexta-feira fiz então a seguinte
 Sopa de Legumes :

Água do cozido (tinha cozido vitela magra com legumes para o almoço)
2 batatas, 2 cenouras, 1 courgette, 1 chou-chou, 1 cabeça de nabo, todos partidos em quadradinhos pequenos, 1 alho francês às rodelas e dois dentes de alho inteiros.
Cozi os legumes todos na água do cozido rectificada de sal.
Quando cozidos retirei uma parte e passei os restantes com a varinha mágica.
Acrescentei-lhe os legumes aos quadradinhos que retirara, 1/2 couve-flor pequena cortada em pedacinhos pequeninos, salsa picada e 3 folhinhas de hortelã, e levei ao lume para cozer a couve flor.
Bom apetite.

A 2.ª regra: Ao jantar a comida, serve-se num pratinho de sobremesa, nas proporções de 1/2 prato de legumes, 1/4 de protéinas e 1/4 de hidratos de carbono :(

Como tinha muitos olhos de couve galega que a minha mãe me tinha mandado, comemos o seguinte:
Bacalhau com broa

Esta receita aprendi quando trabalhava em Leiria, com a Dona F., que era uma senhora muito bonita à qual um idoso chefe que tivera em nova, chamava "rosa", por ser uma linda rapariga.

um molho de hortaliça (pode ser couve de qualquer tipo verde, ou grelos)
lombos de bacalhau para cozer e lascar
1 cebola, 2 dentes de alho, azeite, vinagre, pimenta, sal e louro
broa de milho

Coze-se o bacalhau, retira-se e na mesma água de o cozer leva-se ao lume a hortaliça bem lavada, temperando-se com sal a gosto.
Enquanto a hortaliça coze bem, leva-se um tachinho ao lume com azeite, a cebola às rodelas, os dentes de alho picados, e deixa-se cozinhar em lume brando, para cozer bem a cebola. Tempera-se com uma folha de louro, sal e pimenta moida. Quando a cebola estiver translúcida, acrescenta-se umas gotinhas de vinagre, mexe-se e desliga-se o fogão.
Entretanto, desfaz-se os lombos de bacalhau em lascas e escorre-se muito bem a hortaliça num passador, apertando com uma colher para largar a água da cozedura.
Num pirex de ir ao forno, coloca-se em primeiro lugar o molho de cebolada (e muito importante que seja assim para que os restantes ingredientes não fiquem imprganados de molho, quando se servir mete-se a colher de baixo para cima e já fica com molho suficiente). Por cima do molho, o bacalhau em lascas, depois os legumes, e por fim cobre-se com bastante miolo de broa de milho esfarelada.
Vai ao forno, cerca de 20 minutos até que a broa esteja lourinha.
Bom apetite.

Cá em casa, como era noite de sexta, foi acompanhado pelo vinho branco do cunhado transmontano, que é uma especialidade!
Ah! e na dieta o vinho não está proíbido, a dietista diz que as mulheres podem beber um copo de vinho por dia e devem temperar a comida com vinhos e vinagres, pois ela não pretende que se comam apenas cozidos e grelhados.






quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


“Como a gente se perde! A linguagem que o meu sangue entende - é esta. A comida que o meu estômago deseja  - é esta. O chão que os meus pés sabem pisar – é este. E, contudo, eu não sou já daqui. Pareço uma destas árvores que se transplantam, que têm má saúde no país novo, mas que morrem se voltam à terra natal.”

                                                                        Miguel Torga, in “Diário” 1934.





A minha irmã do meio

De seu nome F., a minha irmã do meio vive longe da terra natal, tal como eu que vivo longe das duas.


É professora, e despertou em mim o gosto por Miguel Torga, com ela conheci a terra dele, São Martinho da Anta, e guardo para sempre a lembrança da Galafura.

Hoje em dia vemo-nos e falamo-nos pouco, no entanto “…muito mais é o que nos une que aquilo que nos separa…”

Criei o blogue e nem sequer pensara ainda por onde começar, quando vi o desafio lançado em «Cinco Quartos de Laranja» que costumo visitar: Uma receita com laranja.

Por coincidência mudei de casa há pouco tempo e uma vizinha, a título de boas vindas, ofereceu-me um saco dos frutos do seu laranjal.

Falar em laranjas em casa da minha família é o mesmo que falar no “Bolo de Laranja da Rosa”. O bolo de laranja da Rosa é imprescindível nas festas de Natal – que é o mesmo que dizer que se não há bolo de laranja, o Natal não é o mesmo.

O bolo de laranja da Rosa já foi requisitado para todo o tipo de comemorações, em qualquer época do ano.

Foi com o bolo de laranja que a Rosa começou a ganhar gosto pela cozinha, porém o bolo de laranja da Rosa, não é da Rosa – é uma receita tirada dum caderno de receitas da F.!



Até hoje, a minha irmã do meio é a única representante do ramo materno da família que não se concilia com a cozinha, talvez por isso deixou esquecidos nas gavetas dos armários da cozinha da nossa mãe os seus preciosos caderninhos.

Nos seus tempos de liceu, do programa curricular faziam parte as aulas de culinária e a minha muito organizada irmã trazia impecáveis todos os seus cadernos.

As receitas são excelentes e muitas delas fazem parte do meu reportório culinário, que tantas alegrias me tem dado.

Os caderninhos, como podem ver estão a ficar gastos e tenho «passado a limpo» as receitas, mas os cadernos esses quero guarda-los, até porque a mana é senhora de uma letra toda certinha e “mui guapa”.

Vamos então à receita que nem é da Rosa nem da F., cuja origem remonta aos anos setenta e às aulas de culinária do Liceu Rainha Santa Isabel, e continua a ser a receita de bolo de laranja mais apreciada cá por casa:

Delícia de Laranja

2 laranjas

250 gr. de manteiga

250 gr. de açúcar

220 gr. de farinha com fermento

5 ovos

Unta-se uma forma de buraco e polvilha-se com farinha.

Liga-se o forno a 190ºC.

Bate-se a manteiga com o açúcar, o sumo e a raspa de 1 laranja.

Junta-se os ovos inteiros um a um batendo sempre.

Por fim acrescenta-se a farinha.

Vai ao forno entre 30 a 40 minutos, até espetar um palito e ele saír seco.

Desenforma-se ainda quente, pica-se com um garfo e rega-se com uma calda feita com o sumo de 1 laranja batido com açúcar (num copo coloca-se açúcar até cobrir o sumo, bate-se com uma colher e está pronta).




Bom apetite.
Rosa C.